segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Quem te disse que era mágico???


Como vimos nos artigos anteriores, o projeto da terapêutica cirúrgica, embora muito eficaz para a superação da obesidade, não acontecerá sem a sua participação, te exigindo um prolongado processo de adaptação à sua nova condição. Vimos o quanto o estômago reduzido ditará as novas condições alimentares, em que a quantidade de comida e o ritmo em que ela é ingerida serão bastante diferentes do que eram antes.

Vimos ainda a experiência fisiológica inédita de não produzir grelina, o hormônio da fome, como uma aliada na superação do padrão alimentar anterior, em que você esteve refém de uma fome assustadora e insaciável. Vimos ainda que a produção de grelina voltará a acontecer, só que em novas condições, e você, bem orientado, não precisará se preocupar com isto.

O ritmo da ingesta ditado pelo estômago reduzido te assegurará a percepção da saciedade precoce e esta, o limite da quantidade e a hora de parar de comer. Deixar de ter culpa de se alimentar é o que vai te autorizar a estar absolutamente presente neste momento e só assim viver a experiência admirável de se nutrir e ficar satisfeito.

Sem culpa, autorizado e presente, você se vacina contra a compulsão, um transtorno alimentar incompatível com o prazer de comer. E você, que veio de uma dieta líquida, passou pela pastosa, e viveu as grandes restrições de quantidades do início da fase sólida, pode se autorizar a comer sem culpas, como não era possível antes. Até porque você, a esta altura, já emagreceu o que antes lhe parecia impossível e sua fome nunca mais foi a mesma.

Bom, todas as considerações acima estão relacionadas à ingesta de alimentos e de calorias correspondentes às quantidades ingeridas. E, neste sentido, é bom lembrar que seu estômago pequeno não será capaz de criar células de estômago, portanto de crescer como nossos cabelos crescem. Poderá, isto sim, receber quantidades maiores de alimentos, na medida em que amadurece na sua função digestiva.

Isto é natural, e me recuso a considerar uma má notícia, afinal as ingestas iniciais não seriam viáveis para se ter uma vida social razoável à mesa, e cá entre nós, isto te faria muita falta. No entanto, ex-obesos homens, com mais de 1 ano da gastroplastia relatam poder comer no restaurante a quilo até 400 g. Já as mulheres chegam a algo em torno de 200 e 250 g. É claro que precisando de um tempo maior que antes, quando praticamente engoliam a comida.

Com estas quantidades possíveis, você não trocou o que seria seis por meia dúzia, e não manterá grande restrição social. Isso dura enquanto você está se adaptando, e quanto melhor o fizer, mais perto destes limites (homens/mulheres) você se aproximará. Não haverá nada de constrangedor socialmente nestas novas quantidades, ao contrário, te trará um orgulho secreto, e uma legítima felicitação interna por estar satisfeito/saciado com pouco.

Quando em nossas reuniões pacientes com mais tempo de cirurgia falam destas possibilidades, que não excluem sequer as carnes nos churrascos, afinal não puseram o anel de silicone, vejo as caras de incrédulos daqueles que não chegaram a este tempo de cirurgia. Isto vai acontecer comigo também, que como tão pouco?... será??? Com certeza, principalmente para aqueles que no período adaptativo contaram com bom suporte para viver sua adaptação sem traumas.

Para muitos a adaptação foi tão boa e com uma evolução tão favorável, que podem viver o melhor dos mundos, como dizia o Dr Paulo Athayde, que é comer de tudo e ficar satisfeito com pouco. E olha que estas quantidades mencionadas nem são tão pequenas assim. Para outros, pequenos traumas, como ingestas mal mastigadas acompanhadas de dores e vômitos, geraram desconfortos que não devem ser encaradas como preço a pagar para os operados.

Já acompanhei pacientes que não concluíram bem a adaptação do sólido e precisaram voltar ao seu início, antes que desistissem do alimento sólido trocado pelo pastoso, claramente mais simples de se realizar: Está bem assim! Pelo menos, os alimentos pastosos me caem bem.
Esta é uma falsa conformação, que costuma vir acompanhada de compensações alimentares perigosas, como a troca de refeições por alimentos industrializados, que chegam pastosos no estômago.

Muitos que não tiveram paciência para viver a adaptação aos alimentos sólidos acabaram precisando voltar ao início desta fase, mastigando e saboreando quantidades bem menores, o que se recusaram a fazer lá atrás. Do contrário acabariam por se compensar através de beliscos calóricos - o amendoim parece que cai muito bem, e o álcool também pode descer redondo. Ficar conformado com este "equilíbrio" não é justo e até perigoso.

Se este for o seu caso, é importante que você procure ajuda especializada para retomar sua adaptação alimentar de onde ela parou. Para quem teve a coragem e se submeteu a uma terapêutica tão radical e cirúrgica, ficar preso a velhos padrões que só trouxeram sofrimento não faz muito sentido. Desapegar do antigo padrão alimentar também é radical, e esta é uma radicalidade imprescindível, porque é ir na raiz do problema e se abrir à reeducação alimentar.

Volto a lembrar: a quantidade de alimento vai aumentar, mas para que isso aconteça sem problemas você terá que ter paciência neste início da alimentação sólida. Independente da quantidade colocada no prato, é importante estar atento para a quantidade colocada no garfo. Grandes garfadas podem representar grandes desconfortos, pelo risco maior de chegarem alimentos mal mastigados ao estômago.

Quanto mais calmo e paciente com o início mais restritivo você estiver, mais rápido chegará à adaptação desejada. Seja radical, tanto quanto a terapêutica que você escolheu para superar a obesidade. Aceite comer este pouco para que ele evolua. Estou falando do início da fase sólida, quando o piloto automático da alimentação é inviável. Esta fase adaptativa tem se mostrado até mais difícil, para alguns, do que a fase líquida, quando as regras são pontuais, rígidas e inegociáveis.

Saboreie o alimento em pequenas garfadas, é muito melhor que você o detenha por mais tempo na sua boca, mastigando e sentindo seus sabores, do que tê-los engasgados pouco acima do diafragma, promovendo dores e enjoos que só aliviam após serem postos para fora. Esta é uma experiência dolorosa que você evita sendo mais paciente e calmo na hora de comer. Nesta fase, te será exigida muita paciência, e só ela te garantirá a boa adaptação.

É bom que você não desanime com estas eventuais dificuldades, encare este processo como um desafio/treino que te colocará em uma situação invejável de emagrecer, comendo com prazer. Com o tempo de cirurgia, sua capacidade de comer aumenta, isto é certo, ao ponto de ser imprescindível, para manutenção do peso alcançado, a ruptura com a vida sedentária. Mas isto já é assunto para o próximo artigo.