quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Fase sólida: quantidade por qualidade


Dando continuidade à evolução de sua dieta, chegou a hora dos alimentos de consistência sólida.

A normalidade tão esperada se aproxima, mas não deve ser confundida com a possibilidade física de voltar a comer as quantidades do velho padrão. Isto não é mais possível e, se você tentar, entenderá o que estou falando. Os desconfortos descritos revelam um grande mal estar. Mesmo já cicatrizado, o estomaguinho parece que vai explodir, você exagerou.

Se isto já te aconteceu e você sobreviveu, ou se ainda te acontecer, lembre-se: o melhor a fazer é se desvencilhar das culpas e se perdoar. Não perca muito tempo se criticando, não será útil para o seu projeto. Sinta a tristeza que acompanha o velho padrão e siga em frente, sem ela. Refaça o bom pacto contigo mesmo, mantendo-se aberto ao novo, usufruindo dos seus resultados.

A cirurgia é uma oportunidade ímpar para mudanças de hábitos alimentares destrutivos e geradores de sofrimento. Mas seu apredizado não é linear, está sujeito a "ensaios e erros", e conta com sua determinação em não estar identificado e prisioneiro de um velho padrão. Você terá uma boa chance de superar uma falsa identidade adquirida com a doença.

O pacto com o estômago hiperfágico, de grande capacidade de receber alimentos, sugere poder comer à vontade, sem precisar prestar muita atenção ao que se está fazendo, de preferência não perdendo muito tempo com isso. Aproveitando para ver tv, ler o jornal, entrar na internet e mesmo falar no telefone. Resumo: quanto mais distraído melhor.

Aquele estômago era um bom parceiro, disposto a receber grandes quantidades de comida. Você, distraído com outras coisas, não percebendo a monotonia do ato alimentar, vai poder comer tudo isto, e mais um pouco. O estômago camarada pode produzir tudo que for necessário de suco gástrico para digerir toda a comilança, só te cobrando, talvez, um antiácido para aliviar uma eventual queimação, refluxo ou azia, efeitos naturais deste processo.

Este acordo é absolutamente inviável depois da gastroplastia. O estomaguinho não terá esta mesma capacidade. Ainda mais agora, no início da introdução do alimento sólido. Neste primeiro momento, sua capacidade de digerir será em porções realmente pequenas e, mesmo assim, precisando serem mastigadas e saboreadas com você muito presente. Dedicar-se ao ato alimentar, sem tensão e com a curiosidade dos gourmets para novos sabores, é o melhor posicionamento.

Não precisa ter pena de você mesmo pelas porções inicialmente tão pequenas. Isto não ficará assim, sua capacidade de ingesta aumentará, deixe que isso aconteça naturalmente. Não force.
Forçando, você poderá ter experiências desagradáveis e até comprometer, com pequenos traumas, o ritmo do seu processo. A experiência de comer tão pouco e ficar saciado também pode ser prazerosa, não resista a ela. Ela faz parte do seu treino, as quantidades aumentarão.

Com esta nova quantidade, é bom que você capriche na escolha dos alimentos. É imprescindível em todo este processo o acompanhamento de uma nutricionista. É muito estimulante participar da equipe multidisciplinar no pré e pós operatório, com uma nutricionista competente como a Drª Andreia De Luca, uma especialista em gastroplastia muito experiente e com ótima estratégia nutricional e de suplementação para os pacientes operados.

Como você vê, não é uma saída mágica, um caminho mais fácil, uma terapêutica para perdedores e que você precise se envergonhar de ter aderido. Mas um caminho pessoal de autodescobertas e que exige um longo processo de adaptação. É uma possibilidade efetiva de transformações pessoais profundas e confiáveis. Quero compartilhar no blog a satisfação que tenho, na clínica individual, em acompanhar lindas e vibrantes estórias de autossuperação.

Precisa, no entanto, ser corajoso para se abrir às mudanças e decretar o fim do ciclo vicioso de antes. Este é o preço para superar esta doença tão sofrida. Isto também te será cobrado na terapêutica cirúrgica. Não se iluda, a diferença é que, nela, os que "vestiram a camisa" do projeto e abriram-se para se redescobrir sem a doença, tiveram sucesso.

Se você está neste grupo, parabéns !!! Se ainda não chegou lá, saiba que isto já foi possível para muitos, pode ser para você também. Estabelecendo uma aliança lúcida com os efeitos da gastroplastia você poderá conquistar uma saúde vibrante, sem obesidade. E, junto, a felicitação de ter trocado a quantidade de comida pelo prazer de saborear, nutrir-se e ficar satisfeito com pouco e de melhor qualidade.

Fase Pastosa: treinando para gourmet

Depois de 15 dias de dieta líquida, e com o estômago já cicatrizado, chegou a hora de viver uma nova fase do seu pós, com a evolução de sua dieta para a consistência pastosa.

Este é, sem dúvida, um bom momento, afinal o período anterior tinha mesmo que passar, com sua restrição alimentar tão radical. Encerrada a fase cicatricial, estaremos ingressando no início do processo de reeducação alimentar.

Os importantes primeiros passos da reeducação alimentar do pós, serão dados nesta fase.

É comum que a fome fisiológica (lembra da produção de grelina?) não tenha voltado ainda. Mesmo assim, depois de 15 dias de líquidos, é natural que você sinta vontade de comer e principalmente de mastigar. Isto te aproxima de uma normalidade inviável na fase líquida.

Acolha sua vontade de comer. Isto definitivamente não representa uma "cabeça de gordo" - ao contrário, significa que você atravessou a fase líquida sem se deprimir e com vontade de viver... saudável sem a obesidade. A vontade de comer é uma expressão legítima de quem não perdeu a vontade de viver, e sabe que comer é uma fonte fundamental de energia e vida.

Mesmo que a fome tenha voltado - para alguns ela só retorna mais na frente - mesmo que isto já tenha acontecido, você verá que se trata de uma "fome civilizada"e que não precisa ser temida.
Esta fome pode ser vivida com inédita serenidade e proporcionar um novo prazer: sentir a saciedade precoce e o indescritível estou satisfeito!

A fase pastosa do pós favorece o início de uma delicadeza alimentar que fará contraponto ao padrão alimentar anterior, quando os sabores serão notados com nuances inimagináveis para quem vinha se alimentando nervosamente em quantidades hiperfágicas de alimentos. Esta delicadeza te aproximará dos gourmets e do seu prazer à mesa. Experimente!

Esta fase pode ser aproveitada para se rever preferências e fazer novas descobertas sobre você mesmo. Não se confunda com a doença, você ficará melhor sem ela, e para isso é importante estar aberto para o novo, já que o velho e conhecido padrão também te trouxe sofrimento e uma doença crônica extremamente perversa.

O prazer de comer passará por uma transformação compulsória. Deixará de ser gerado pela quantidade de comida - desista disto e também da forma "poderosa" (posso comer como ninguém) de se alimentar. Essa vaidade pode ser substituída por outra. O prazer não virá mais de alimentar um transgressor, que não suporta limites, e se apodera de você enquanto come, te deixando só e culpado no desconforto da digestão dfícil.

O prazer, agora, passa pela delicadeza com que você se trata, e ao alimento que te sustenta. Passa pelos sabores (descubra-os!); depois disto os óleos das frituras poderão lhe parecer diesel. Abra-se para esta nova realidade, você poderá tornar-se criterioso e seletivo com os alimentos, agora é possível. Isto terá repercussão na sua vida de forma muito ampla, transcendendo a esfera alimentar.

É bonito ouvir relatos com relação ao primeiro "Cream Craker com queijo cottage" ou do prazer do primeiro "Minas" ou ainda do sabor do "Maizena com geléia light" e mesmo das Sopas de Legumes, agora dignas deste nome. São relatos que falam de descobertas e de um aprendizado característicos das crianças ou de um candidato a gourmet, curioso com os sabores e autorizado a apreciá-los.

Se isto estiver acontecendo com você, a fase pastosa vivida como um laboratório de novo comportamento alimentar, parabéns!!! Porque assim você estará se habilitando para ingressar na nova fase sólida com uma boa consciência e capaz de evitar sofrimentos. A fase que se aproxima terá novas exigências: a mastigação será necessária.

Com serenidade e calma você chega lá, e quando chegar, saberá o quanto dependeram de você os resultados deste projeto vitorioso de superação da obesidade mórbida.

sábado, 5 de dezembro de 2009

Fase líquida: missão impossível?


O momento mais drástico e radical da gastroplastia é o período em que o estômago reduzido ainda não cicatrizou, e só pode receber o alimento na consistência líquida. O risco de qualquer ingesta, fora do líquido, é de forçar sobre os pontos, ocorrendo um vazamento deste conteúdo. Um pequeno vazamento é um grande problema, que chamamos de fístula.

Mesmo depois que a conduta cirúrgica incluiu a sutura de todo o estômago, reforçando os grampos que são aplicados pelo mesmo instrumento que corta*; mesmo depois disto, não é possível negociar, com um candidato à cirurgia, menos de 15/20 dias de dieta líquida e... é líquida mesmo!

* Este novo protocolo adotada pela equipe torna a cirurgia mais segura e protegida de fístulas.

O alimento salgado, por exemplo, é o caldo líquido onde foram cozinhados os legumes - sem os legumes, é claro. Já a água de coco tem um lugar de honra neste cardápio, e pode congelada, aplacar a vontade de mastigação desta fase líquida, os isotônicos também fazem parte desta dieta.

Mas como é possível um obeso mórbido suportar 15 ou 20 dias de alimentos líquidos? ( Dependendo da cirurgia realizada, e o tempo cicatricial de cada uma delas. Bypass 15 dias e Sleeve 20 dias por ter uma área cicatricial maior). Logo ele, que gosta tanto de comer? Não precisa ser um glutão para reconhecer que é uma ingesta incomum, até comparada com as dietas mais radicais, pelo seu baixo valor energético. Então será uma missão impossível? O que torna este projeto realizável?

Seu estômago, recém operado nos primeiros 15/20 dias, considerará como tarefa principal a cicatrização, deixando de realizar uma de suas importantes responsabilidades, que é informar ao cérebro que precisamos nos reabastecer de energia, quando o estômago esvazia. Esta tarefa ele realiza produzindo grelina, o hormônio da fome. Neste período sua prioridade será produzir enzimas de cicatrização em detrimento do hormônio. Então, este período é de fome zero, pelo menos no que diz respeito a produção de grelina, a fome fisiológica que informa a necessidade de se repor energia, e que é diferente da outra fome, relacionada à vontade de comer.

Mesmo sem a produção de grelina, você pode ter muita vontade de comer, principalmente para aquele que viveu a compulsão alimentar como um sintoma tão íntimo que confundiu como sendo seu hábito alimentar. Mas mesmo estes, que sofreram deste transtono alimentar, podem atravessar a fase líquida de um novo lugar... sem fome.

Esta experiência fisiológica inédita, não produzir grelina, associado à tomada de consciência de que o velho padrão alimentava excessos e sofrimentos, pode facilitar um posicionamento emocional também inédito de serenidade diante do alimento, pacificando sua relação com a comida, conhecendo a saciedade precoce.

Estes 15/20 dias de líquida têm a função psicológica de te afastar do padrão alimentar anterior, deixando claro que há vida fora da voracidade por quantidade de comida. Um projeto onde a estatística está a seu favor, com bons resultados. Para quem, até ontem, era como você, pode surgir uma motivação para viver esta fase aceitando as condições mais difíceis como um treino.

Agora, enquanto estiver vivendo este momento, verifique se você não está tomando a pior parte, quando o projeto é mais restritivo, pelo todo. Este primeiro momento inegociável, passa. Não foi para isso que você fez a cirurgia, não foi para tomar líquido no copinho, o preço seria muito caro. É daí que se parte... não é aonde se chega. E se você não estiver certo disso, poderá se arrepender de ter operado enquanto estiver vivendo esta fase.

Com 15/20 dias uma ótima notícia: seu estomaguinho cicatrizou, já não é mais um órgão que possa vazar o conteúdo. Ele está fechado com uma porta de entrada e outra de saída, e suas paredes não são frágeis, trata-se de um músculo muito resistente, feito para não vazar. Os microgrampos e a linha de sutura não estão tendo mais função, e serão absorvidos pelo órgão.

Mesmo sem ser frágil, o órgão é imaturo, e antes de digerir o sólido, passará pela fase pastosa. Este é um momento gratificante, na medida em que você já viu os primeiros resultados do emagrecimento, por um lado, e por outro vê sua capacidade digestiva evoluir. Nesta fase, as sopas ficam gostosas com legumes batidos, os purês e souflês também, e a estrela deste cardápio, o cream cracker, que é sólido, mas com a mastigação chega pastoso no estomaguinho.

É comum, na entrada do alimento pastoso, o paciente se sentir bem, com a clara impressão de que o pior já passou. Este é um momento de delicadeza com seu estômago, e que pode inaugurar um novo momento de bons tratos com você mesmo... uma hora propícia para, por exemplo, diminuir sua autocrítica excessiva, que só te fazia refém de culpas e merecedor de grosserias.